João 12
Esta história aconteceu lá pras
bandas do mato Grosso. Havia uma “capataz” de fazenda, conhecido como João 12.
Não há nada de bíblico aqui. O 12 vem da espingarda, calibre 12. Para quem
conhece esta arma, sabe, faz um estrago e não precisa acertar o alvo. Passando
perto “tá bom”.
João 12 morava em uma fazenda e
sempre dizia; “eita pantanal veio sem porteira”, era como se referia a sua
terra amada.
Para quem conhece aquela beleza
toda, é o paraíso particular de Deus. Há fartura em tudo. Os animais são
incontáveis, não apenas em um bando de maritacas, mas sim em seus coletivos, de
peixes, insetos, jacarés e outros.
Há muitos bichos, de todos os
tipos e tamanhos, seja na terra, no ar, ou na água. O que chama a atenção, além
da variedade dos animais, sua quantidade, beleza, esta, por exemplo, na
nobreza, do voo do Tuiuiú. As águas são um show a parte, em época das chuvas,
traz mais vida ao berçário pantaneiro. Faz piscina em todo lugar. Transformam as
estradas em rios, os rios, em um imenso lago.
É um lugar lindo, onde o tempo
parou, não há por que evoluir. E assim é João 12. Homem forte, rude, de poucas
palavras. Aprendeu desde cedo a lidar com bichos. A noite, não precisa de muita
coisa para atravessar o mato. Um facão e uma lanterna, “da conta do recado”.
Seus sentidos sabem onde pisar, onde não pisar, quando pode sair, onde a sucuri
espera, qual a noite boa para pegar qualquer tipo de peixe, enfim, é seu lar.
Criado na lida de gado, desde
cedo, sabe tudo que precisa para salvar um bezerro no parto. Aprendeu novo, a
fugir do nelore bravo. – esse bicho não tem conversa, quando ele vem, corra sem
vergonha, dizia e ria.
João 12 era braço direito do Seo
Calheiros, fazendeiro forte, cheio da grana, tinha terra que não acabava mais.
Como era sua ganância, sem tinha limites. A população local sabia, quando
Calheiros manda, João 12 faz. E assim “comprou muitas terras, na bala”.
Calheiros se meteu na política e
João 12 ficou capataz da fazenda. Sendo assim, João 12 resolvia muitas coisas
na hora e depois o patrão “dava um jeito” de limpar a sujeira. Sua fama não era
boa, entretanto, era uma pessoa simples, de hábitos fáceis. Gostava do feijão
tropeiro, caldo de piranha, não era dado a bebidas, nem a mulher de vida fácil.
Tinha sua família sempre bem guardada, não queria que os filhos tivessem a mesma
vida que ele. Com ajuda do patrão, foram estudar desde cedo na cidade grande,
frequentavam bons colégios. “O patrão”, não cobrava os estudos dos filhos,
assim como João 12, não pedia porque deveria fazer o serviço.
Contam os moradores da região,
que Marcia, filha mais velha de João 12, logo que foi estudar fora, teve um
problema com um colega de sala mais assanhado. Então, ligou para seu pai,
contou a historia e João 12 falou que daria um jeito. Ligou para o patrão; - Seo
Calheiros, teve um “mal acabado” que fez minha “fia” passar raiva, “to” saindo
e volto logo, vou mostrar que ela tem pai. Calheiros nem deu tempo de João 12
pensar e disse; - fique tranquilo, me diga quem foi e vá dormir, amanhã cedo
este “desinfeliz” vai ter o que merece. Nem havia terminado o segundo semestre
da faculdade, o rapaz pediu para ser transferido. Acordou às três da manhã, com
quatro caras em volta da sua cama. Estes o convenceram a não se formar
dentista. Se continuasse com esta ideia, não teria também as mãos para
trabalhar. Também, porque ficou sem os dentes e dentista sem dente na boca, não
passa confiança. Depois disto, Márcia e seu irmão ficaram mais respeitados na
faculdade. Tanto que namorado na faculdade, Márcia precisou pegar como nelore
na fazenda, no laço, tinham medo “dela”.
O final da história agradou João
12, que disse; - esse é homem certo. Se soubesse a verdade sobre Seo Calheiros,
João 12 mudaria seu conceito de homem integro. Entretanto, quem seria capaz de
contar a verdade, para João, 12. Então ficou assim, Seo Calheiros falava, João
12 não duvidava e ninguém questionava.
A fazenda era sua casa e João 12
percebeu fácil, quando uma doença estranha na fazenda, começou a matar uns bois.
João 12 disse; - olha patrão,
nunca vi nada igual, acho que o “sinhô”, deve manda um “doto” aqui. E Calheiros
sabia, se João 12 “falo”, então é coisa nova. Enviou um veterinário, na
verdade, por ser pão duro, mandou um estagiário; - não se preocupe, o rapaz
dará conta do recado, disse o reitor. Calheiros sabia que o rapaz deveria ser
capaz, afinal, o reitor não mandaria qualquer um. A troca de favores em
licitações, entre os dois, rendia bons lucros. Entretanto, para que o rapaz
chegasse à fazenda, seria necessário ir buscar em uma cidade próxima. Tudo combinado, o rapaz partiu da capital e
João 12 da fazenda.
No aeroporto, depois das
apresentações, saíram rumo à fazenda. João 12 disse, - vou sentar a bota, se
chover ficamos na estrada. E fincou o pé. Nos primeiros cinquenta quilômetros,
Gustavo, o estagiário, só não “fez” nas calças, por que não estava pronto. João
12 com pressa, numa cabine dupla, “seis canecos”, completa, fazia o chão
tremer. Cento e sessenta era constante. Ao avistar a placa de policia
rodoviária, “aliviou”, passou a cem por hora. Gustavo não entendeu, os
policiais na pista nem deram bola, como assim?
Depois de uns cem quilômetros,
pegaram uma estrada de chão e o carro na mesma, cento e sessenta. Porém, João
12 olhou para o céu e disse; - tomara que de tempo de chegar ao hotel, por que
a água vem com vontade. Gustavo não entendeu muita coisa, criado em cidade
grande, apartamento, como poderia ter qualquer possibilidade de chuva, com um
sol daqueles? A resposta veio muito rápido, a cento e setenta. Sentiu um ar
fresco e logo começou a cair água.
Curioso Gustavo perguntou; - como
o senhor sabia que iria chover, o céu estava limpo? No que João 12 falou; -
estamos nos meses de chuva, ela vem sem avisar, o vento estava fresco, deste
que entramos na estrada de chão e as aves estão procurando abrigo. E concluiu;
- o doto não “arreparô”? Gustavo então disse; - não, achei que nem fosse chover
com este sol. João soltou uma gargalhada e disse; - “garoto” de apartamento
mesmo. Gustavo não entendeu.
A chuva apertou mais um pouco e
João 12 disse; - que bom, deu tempo de chegarmos ao hotel. Nisto, fez uma curva
e o hotel apareceu, era grande, bonito, parecia todo em madeira. Entraram, e
foram à recepção, então João 12 falou; - quero meu quarto. O recepcionista disse
sim; - um segundo que esta sendo trocada a cama. Vou subir e falar que o senhor
já esta aqui.
Nisto Gustavo percebeu que o
recepcionista, passou um corretivo sobre um nome e escreveu João 12, no quarto
dezoito. Não entendeu muita coisa. Nisto vem descendo um casal, com as malas na
mão, roupas desarrumadas no corpo, escovas de dente no bolso da calça, uma cena
lamentável. Deveriam estar sendo retirados por falta de pagamentos. E a mulher
gritava; - fizemos reservas há dois meses, isto não está certo. E o
recepcionista tentava argumentar; - foi um erro e continuou; - lhe darei outro
quarto, melhor e cobraremos por este.
Passado cinco minutos João pediu;
- por que tanta demora e de pronto o recepcionista disse; - a cama precisou ser
comprada nova, o senhor desculpe o incomodo. João 12 não disse nada, falou
apenas para que agissem mais rápido. E de fato, mais alguns minutinhos e
chamaram-nos para os quartos. João 12 foi para o dezoito e Gustavo para o vinte
e quatro.
Às sete da noite foi servido o
jantar e João 12 disse; - amanhã temos muita estrada pela frente, vamos acordar
cedo, as cinco bato no seu quarto. Deu boa noite e foi deitar.
Gustavo não costumava deitar cedo
e ficou um pouco mais vendo teve. O casal (que saiu, gentilmente do quarto) estava
também na sala e logo começaram a conversar. A mulher estava feliz com o novo
quarto. Porém, achou estranho precisarem trocar as pressas. E como João 12
estava com Gustavo, quis saber, quando este havia feito à reserva. Gustavo falou
que não sabia, mal conhecia João 12. Trocaram mais algumas palavras e resolveu
ir dormir.
Na cama, pensativo, Gustavo
começou a lembrar de uns detalhes e achou estranho. A policia não fez nada, as
pessoas foram retiradas do quarto, o reitor veio pedir pessoalmente, que ele
fizesse esta visita, veio de avião, um peão de fazenda andando com um carrão
daqueles, novo, beberão, de luxo, todo sujo. Parece que tinha algo errado,
porém sem certeza de nada e com sono, dormiu.
Às cinco da manhã escutou uma voz
conhecida; - Gustavo, acorda que já vamos sair. A cento e oitenta por hora,
tomou banho, escovou os dentes, penteou o cabelo, fez xixi e saiu do quarto,
parecia prudente não fazer João 12 esperar. Quando desceu, João 12 já tomava
café, sorriu ao ver Gustavo com cara de pressa e meio desarrumado, então disse;
- rapaz não precisa sair perdendo as pernas, tome café sem pressa. Gustavo não
era de muita comida logo cedo, tomou uma xícara de café e partiram.
Pouco antes do meio dia chegaram à
fazenda. Sem muito esforço, Gustavo identificou o que estava matando os
animais, era uma bactéria vinda de outro país. Deve ter entrado pelos portos,
não havia como identificar sua origem, porém era de fácil trato.
Gustavo ficou na fazenda poucos
dias, o medicamento usado fez efeito logo. Os bois se recuperaram rápido, ele
já poderia ir embora.
No dia de ir João 12 falou; - não
vou levar você de volta, o patrão disse que você é pessoa direita, pode ir de
carro e deixar a caminhoneta no aeroporto. Disse também; pegue a estrada, pode
chover, pare no mesmo hotel e peça o quarto dezoito. E finalizou; - deixe as
chaves com Marcelo da lanchonete, ele saberá o que fazer. Apertou a mão de
Gustavo, virou e foi trabalhar.
Sem muito que fazer, Gustavo
pegou a estrada, de fato começou a chover, parou no hotel, o recepcionista
quando viu Gustavo chegando disse; o quarto 18 logo estará pronto, precisamos
trocar a cama. E o mesmo casal desceu reclamando. Gustavo pensou, de novo?
Jantou, foi deitar e cedinho
pegou a estrada. Um pouco antes da polícia, diminuiu a velocidade e o policial
vendo isto, fez sinal para que ele parasse. Na hora pensou, lembraram daquele
dia que João 12 passou correndo, agora “tô” ferrado.
O policial veio, olhou e pediu
quem era, depois das observações Gustavo disse; - esses dias passamos a cem por
hora, com João 12 dirigindo, achei que hoje fossem me prender. O policial riu e
disse; - prender, nunca, estranhei na verdade foi à caminhoneta estar devagar,
por isto pedi que parasse.
Gustavo pegou a estrada de novo,
em poucos minutos estava no aeroporto, foi à lanchonete e pediu por Marcelo.
Disse quem era e que deveria entregar as chaves. Marcelo pegou e guardou. E
puxando conversa, pediu a Gustavo quem era e o que fazia na cidade.
Quando Gustavo contou a história,
Marcelo riu, estava cheio das cachaças e começou a falar; - pelo visto você não
sabe nada de João 12, ou do seu patrão, Seo Calheiros. E pôs Gustavo a par de
tudo, falou das terras griladas, das pessoas que desapareciam da noite para o
dia. Dos empregados que não recebiam pagamentos, do trabalho escravo. Lembrou
também das festas na fazenda, onde políticos da região, “diziam”, participar de
muitas orgias. Muitos presenciaram cenas do velho oeste, “tiroteios” para matar
animais. Falou porque de sempre o quarto dezoito, que é onde João 12 ficou com
sua mulher a primeira vez. Disse que isto sempre acontece, se ele chegar ao
hotel, a qualquer hora, o quarto dezoito é dele. E o hospede é retirado, pelo
dono do hotel ou por João 12. Nisto Gustavo pediu; - por que João 12?
Marcelo disse; - por que ele
matava as pessoas, com um tiro de 12 na cabeça. E arrematou, - mas isto é o que
dizem por ai.
Chegando a capital, Gustavo vê um
noticiário que diz, “foi encontrado morto, com um tiro de 12 na cabeça, seu
nome era Marcelo, dono de uma lanchonete em um aeroporto no Mato Grosso”. Olhou,
reconheceu Marcelo na foto e pensou.
Deve ser mentira o que Marcelo
falou, nem vou repassar aquelas histórias absurdas.
Paulo Cesar
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