O paraíso do sertão
Ouvindo a música Luar do meu
sertão, João, na estrada, “viajou” em uma paisagem. Aquela de tirar o fôlego,
que deixa qualquer um longe do mundo. Eram umas seis e pouco da tarde e a da
letra da música, caiu como uma luva, “não há, ó gente, ó não, luar, como este
do sertão...”.
Nestas horas, seus pensamentos
tomam formas de prazeres, e levam você, para um lugarzinho todinho seu. Uma
montanha, o sol caindo, ao fundo alguns bois, a vegetação se escondendo no luar
que vem descendo. Ahhh!!!! Como queria uma rede preguiçosa para dormir. Aquilo
tudo marca como uma fotografia e faz o espectador sair da vida, viajar. Uma casinha
no pé da serra, onde tudo é perfeito. A gostosa sinfonia do encontro das pedras
e a água, num riacho calmo, que serpenteia e some de vista. “É bom di mais da
conta”. O canto mágico dos passarinhos e suas revoadas em total sintonia. As cigarras
em algazarras, até o grilo lembra a felicidade. Porém, neste instante voltou a
si e pensou; “é bom, lindo, porém eu quero mais que isto”. E a música no mesmo
verso; “não há, ó gente, ó não, luar como este do sertão”.
Contudo, não dá para viajar muito.
João precisava ir ao médico e estava dirigindo. Há alguns dias se sentiu mal,
sua pressão não estava boa. Segundo seus amigos, deveria sair desta vida louca,
sem tempo sequer para seus filhos. Precisava frear este corre-corre.
João era jovem, pouco mais de
quarenta anos. Dois filhos lindos, dezesseis e dezessete anos, sua mulher,
Maria, recentemente completou 38 verões. Precisava mudar seus hábitos, sempre
quis ser feliz, vencer na vida, ter tudo do bom e do melhor, entretanto, isto
estava cobrando um preço alto. E João sabia que deveria dar uma geral na
“maquina”.
Desde muito cedo João estudava, queria
ser doutor e assim nutrir ele, sua família e principalmente seu conceito de
felicidade; ser uma pessoa vencedora. E conseguiu, porém, hoje percebe que
pagou um preço alto por isto. Perdeu o crescimento dos filhos, sempre viajou a
negócios. As formaturas do colegial, segundo grau, festinha de aniversario
então, contou nos dedos em quantas esteve presente. Será que escolheu o destino
errado?
E a resposta veio fácil, seu
amigo Carlos, pedreiro (oficial da construção civil). Um profissional de mão
cheia, sua casa foi ele quem construiu, não confiaria a outro. Tem um salário
que deve ser muito bom. Possui casa própria, um bom carro, viaja sempre com a
família, o filho estuda em um bom colégio, está presente nas comemorações.
Quando sentam para “tomar uma”, Pedro sempre cobra; - eai, quando vamos pescar
e colocar o papo em dia? Já tinha um bom tempo que isto não acontecia. Estes
pequenos prazeres na vida de João, são na verdade grandes luxos. Sua certeza é
outra, precisa correr para um novo compromisso.
Neste momento, recordou algo,
Carlos havia dito que estava negociando um sítio, será que deu certo, precisava
saber. Seria interessante sentar e papear, afinal eram amigos e um quer sempre
o bem do outro.
Por fim chegou ao destino. O médico
já tinha os resultados. Há poucos dias teve um mal súbito e foi hospitalizado
as pressas, porém, nada de mais foi diagnosticado. Mesmo assim o médico achou
melhor fazer exames de rotina. Foi retirado um pouco de sangue e enviado a um
laboratório. Passado uma semana, deveria retornar para saber como estava.
Depois de dar atenção aos números,
o médico falou; - bom João a coisa é séria, você precisa mudar seus hábitos,
seu colesterol esta muito acima do normal, você precisa se alimentar melhor. E
continuou, - seu coração anda muito acelerado, você deve ter uma vida muito
corrida e... Bom, durou mais uns quinze minutos as recomendações. João até lembrou-se
de uma música, “corpo esgualepado”, ele estava daquele jeito. Por fim o médico
sentenciou; - você precisa escolher, sair deste ritmo, ou não vai muito longe.
Agradeceu as observações do
“doutor” e repetiu o que todo paciente diz; - não se preocupe, vou priorizar
minha saúde. Ao fechar a porta do consultório pensou, para ele é fácil dizer
isto, não tem as mesmas aspirações que eu. Trabalho em uma grande empresa, sou
responsável por muitos funcionários. E não posso me dar ao luxo de pescar, para
relaxar. Continuou sua caminhada, precisava ir a um fornecedor e depois ir a
outro médico. Fez exames do coração. Seria mais um daqueles que diria, esqueça
a correria da vida, vá pescar. Entretanto, não foi bem isto que aconteceu, nem
havia saído do elevador no hospital, sentiu uma tontura e tudo ficou escuro.
Um tempo depois acorda, aquilo
não parecia com nada, que ele havia visto. Estava deitado num local estranho,
muitos vultos, vozes que não reconhecia e seu corpo tinha uma sensação
diferente. Era como se ele não possuísse corpo. Percebia que as pessoas olhavam
e falavam com ele, porém, não entendia nada.
Inicialmente se assustou, será
que foi para o céu? Não poderia, seria injustiça de Deus, mal havia feito
quarenta anos. Tinha dois adolescentes para criar, seu filho queria ser um
espelho do pai próspero. Sua filha precisava estudar muito, queria se formar
médica. E Maria sua mulher, linda, cheia de sonhos. Precisava resolver logo a
situação. Tentou lembrar como chegou àquele local. Mas nada, tudo estava
confuso.
Sempre foi um menino inteligente,
tirava boas notas na escola. Filho de pais conservadores, que o ajudaram desde
cedo a programar seu futuro. Foi elaborado um cronograma de estudos, que
levaria o menino do colégio municipal, a se tornar um doutor famoso. E tudo foi
seguido e executado nos mínimos detalhes.
Logo após completar o colegial,
fez um curso técnico, assim, quando entrasse na faculdade, estaria um passo a
frente de seus colegas de classe. As coisas fluíam bem, passava muito tempo em
casa estudando, para algum concurso, vestibular, provas, enfim, qualquer coisa
atrelada a sua felicidade, vencer na vida. Ser alguém.
O lado bom da coisa, sempre
estava à frente de seus amigos. Seu carro veio junto com sua primeira
habilitação. Viajava muito a negócios, a lazer, vez ou outra. Numa dessas
viagens conheceu Carlos, um cara gente boa, festeiro, bom de papo, estava
sempre rodeado por gatinhas, porém não era muito “dado” a se importar com seu
futuro. Quantas vezes chamava João, - sai desses livros, vamos pegar umas
meninas. Porém, João não via muitas vantagens nisto. Afinal, o carro, a casa
que pretendia ter, exigia muita grana.
E assim foi por um bom tempo em
sua vida, estudar, estudar, estudar para ser feliz, ou, estudar e estudar, para
comprar sua felicidade. Muitas vezes dava vontade de sair, festar, beber se
divertir como Carlos fazia. Entretanto, perder um único dia do seu cronograma,
poderia comprometer todos os seus sonhos e de seus pais. João, até nas festas
de faculdade, se negava a participar.
Contudo, em uma oportunidade de fim de ano,
conversava com Carlos sobre uma festa. Disse que não iria, pois precisava
dominar bem um tema de faculdade. Carlos então indagou, - você já não passou no
terceiro bimestre? - Sim, respondeu João e continuou, - mesmo assim quero tirar
uma boa nota.
Então Carlos propôs, - se tomar
sua lição e você se sair bem, vamos à festa? João pensou e resolveu aceitar o
desafio, este seria interessante a ele mesmo. Entretanto, se não estivesse
satisfeito com seu desempenho, ficaria em casa. Concordaram e João foi estudar.
Deu oito da noite, Carlos apareceu e tomou a lição de João, que se saiu muito
bem. Sem muito que discutir, pagou a aposta e saiu com Carlos.
Este se mostrava feliz com a
companhia de João. Passaram em muitos bares, foram a algumas casas de dança e
por fim resolveram ir a uma festa de faculdade. Coisa estranha aquilo, como as
pessoas bebiam, fumavam, riam e se divertiam. João não era de beber, no
entanto, ao ver uma gatinha, ficou entusiasmado e tomou umas, incentivado por
Carlos, se apresentou. Maria ficou interessada com o “nerd” e quis saber um
pouco mais, sobre o “boyzinho” que tentava impressionar. E aquela noite passou
rápida, gostosa, provocante, sensual, que maravilha aquela mulher. Porém, João
não aprendeu a beber, não deixou o cabelo crescer e não decidiu se casar, como
queriam os amigos. Contudo é inegável, foi amor à primeira vista.
Maria fazia pedagogia, não sabia
nada de astrologia, nem falava alemão, mas entendia João; - ele programou sua
vida toda para ser feliz, é como ele vê a felicidade. Aliados, Carlos e Maria
conseguiam vez ou outra tirar João de casa para umas saidinhas. Está intimidade
fez bem a eles, se tornaram grandes amigos. Contudo, algumas vezes discutiam
sobre a felicidade. Para Carlos, era sinônimo de vida gostosa, muitas meninas,
sair, divertir, passear, beber e outras atitudes típicas de jovens daquela
idade. Maria e João concordavam num ponto, Carlos deveria se dedicar aos
estudos. Que prontamente rebatia os conselhos; - só sei erguer paredes de
tijolos. Nesta hora não discutiam com Carlos, apesar da pouca idade, era já um
mestre de obras. Maria também via a vida com outros olhos, ser feliz não é
apenas carro, casa, bens, ótimos salários, há mais que isto. Como não poderia
deixar de ser, aconselhava João sobre os males que o estresse causa; - um dia a
vida vai cobrar isto de você. E João arrematava, sou feliz assim.
Entre os três não havia um conceito
de felicidade. Para João era trabalhar, estudar, construir um nome. Para Maria
era ser feliz, ter aquilo que seu salário lhe proporciona, estar com as pessoas
que lhe fazem bem. Para Carlos era outra coisa, queria as gatinhas, sair, festar,
jogar bola e ser pago por seus serviços. Como trabalhava muito bem, tinha um
ótimo salário. E este proporcionava a Carlos, uma vida tranquila e com saúde.
João se formou e em sua festa,
apresentou uma prima a Carlos. Meio doidinha ela, os dois saíram da formatura
altas horas e apareceram segunda em casa. João e Maria não se preocuparam, um
era a cara do outro. Tanto isto é verdade, que nove meses depois eram pais. E
nada parecia mais feliz que esta nova família.
Se espelhando em Carlos, João
pediu Maria em casamento. Já trabalhava em uma grande empresa, havia concluído
mestrado, agora faria pós. E foi aquela festança. Carlos e sua mulher eram
padrinhos. As economias bem planejadas de João, garantiram uma bela viagem de
núpcias. Foram à Europa, passaram quinze dias visitando museus, e outros pontos
turísticos. Doze meses depois, como todo bom planejamento veio seu primeiro
filho. Logo concluiu a pós, depois veio sua filha, nossa que felicidade.
Então João disse; - não posso
morrer, tenho muito que viver.
Dito isto, uma mão suave segurou
a sua e Maria falou; - não vai acontecer, mas você precisa diminuir o ritmo.
Surpreso João abriu os olhos, viu
seus filhos, também Carlos e sua esposa, ao seu fundo seu médico. Nesta hora
pensou, ufa, não devo ter morrido. Este explicou o que havia acontecido, teve
um forte ataque cardíaco, mas por sorte, estar no hospital e conseguiu vencer a
morte. Entretanto, precisava decidir o que precisava para viver. E as palavras
do médico, o ajudaram a decidir sobre seu futuro, não resistiria a outro ataque
cárdico.
Passado três meses do episodio,
João havia vendido alguns imóveis, comprou um sitio e foi viver feliz com sua
família. Escolheu um rancho fundo, bem pra lá do fim do mundo, onde as coisas
da cidade, não lembram nada a felicidade daquele lugar. Por quê?
Simples, por que não há, ó gente,
ó não, luar como este do sertão.
Paulo Cesar
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